Pupunhas, Pistaches e Pastiches na Inauguração do Teatro Karipuna

O governo do Estado levou 17 anos para construir o espaço teatral e, apesar de ter tido todo esse tempo para pensar, acabou por fazer duvidosa escolha artística para a sessão inaugural...

Publicada em 27 de September de 2014 às 08:15:00

Por Antônio Serpa do Amaral Filho

 

Digam aos gregos: Rondônia possui agora um dos grandes símbolos da civilização ocidental - um teatro com palco italiano. Mas nem tudo são flores nos bastidores do reino da dramaturgia. De cara, no meio da pipoca, o músico Sandro Bacelar disparou: “Há 17 anos atrás o Saca (Rui Mota), quando presidente da Funcer, pegou a grana que seria para construir o teatro, enfiou no bolso e comprou terras para produzir pupunhas”. Enquanto isso o povo ia chegando e se amontoando na frente do teatro, esperando o desenrolar da ritualística burocrática em andamento. Sâmia, do setor de planejamento do Sesc, desistiu. O convite falava em 19h. Às 20h30 ainda tinha gente discursando e ouvintes que aguardavam em pé há uma hora e meia. Ao cumprimentar um amigo médico, recebi não apenas sua mão para o cumprimento como também uma folha de papel sulfite dobrada, que, lendo depois de cumprida a etiqueta social, vi que estava escrito: “Agora temos em quem votar. Vote em que faz parte dessa história. Médico cirurgião formado no Rio de Janeiro com especialidade em Acupuntura, filho de um renomado engenheiro e construtor e de Dona Vivi”. E lá se foi o futuro deputado estadual fazendo boca de urna no meio da multidão.

De repente surge um protesto, ou ensaio de protesto: era a atriz Suely Rodrigues e sua troupe distribuindo Carta Aberta à População. Segunda ela, seu grupo tem 22 anos de atuação no Estado, 10 peças prontas e ensaiadas e ficou a ver navios na feitura da agenda de apresentações, vítima da miopia da dirigente Eluani Martins, chefe da Superintendência de Estado do Esporte, da Cultura e do Lazer. “Com tanta produção local de qualidade, daria para termos uma semana de espetáculos gratuitos à população, sem custos para o Estado, mas a preferência, quase totalitária, foi pelo estrangeiro remunerado e o descaso com a produção beradeira” – diz um trecho da carta aberta. Numa outra ponta de conversa, o advogado Ernande Segismundo confidenciava que um dos candidatos ao governo o procurou e fez uma proposta indecente, típica dos canalhas.

O governo do Estado levou 17 anos para construir o espaço teatral e, apesar de ter tido todo esse tempo para pensar, acabou por fazer duvidosa escolha artística para a sessão inaugural do Palácio das Artes Rondônia. Colocar no palco “Mulheres de Aluá” como avant premiére da novíssima casa de espetáculo não foi uma boa ideia. Sobrou pompa e solenidades e faltou sensibilidade. Esqueceram de convidar Dionísio para essa festa pobre – diria Cazuza.

A peça, montada a partir de pesquisa em processos judiciais do Centro de Documentação Histórica do Tribunal de Justiça, não é ruim, é muito boa e tem seus méritos artísticos, mas ninguém pode dizer que se encaixou como uma luva no clima de inauguração vivenciado pelo público ávido de um espetáculo intenso e envolvente, que acabou não acontecendo. As estórias vividas pelas atrizes Agrael de Jesus, Amanara Brandão, Jaque Luchesi e Zaine Diniz revelam um pouco do mundo cão desta região nos idos da década de 20 do século passado. Se a ideia do Chicão era provocar o público para refletir, por meio dos crimes teatralizados na peça, sobre a conjuntura social e a condição da mulher daquele contexto, conseguiu – só que através de um discurso cênico sonolento e fastidioso como os primeiros compassos do Bolero de Ravel. Num resumo da ópera, a companhia teatral contou a estória de quatro mulheres, todas julgadas e condenadas pela justiça: Josefa, praticante de feitiçaria e desafeta de Mãe Esperança; Elias, a prostituta; Bebé, a barbadiana, a assassina de comerciante, e Catarina, a cigana, que, entre o fictício e o real, é acusada socialmente de ter levado à morte, por desgraça sentimental de dor de corno, o cidadão Amim Gorayeb, morto a peixeirada por um dos namorados da cigana.

Para a sorte dos machões e capitães do mato, o discurso das personagens não passou de pura ficção, pois se houvesse verossimilhança, não teria sobrado pedra sobre pedra na edificação do machismo beradeiro. O que elas disseram e como disseram transparecia tratar-se de quatro líderes do movimento feminista Guaporé e não de desabafos existenciais de maltrapilhas e marginalizadas mulheres embrenhadas nas matas rondonienses nos idos de antigamente. A essência dramatúrgica é rica mas o roteiro cênico deve ser melhor articulado. O excesso de verborreia discursiva fez boa parte do público bocejar.

Por fim, entre cara e bocas, conversa séria e fofoca na fila de espera, disseram que, depois da inauguração, a mão de obra presidiária passará a atuar no campo administrativo e técnico do teatro. “Aí esse povo da Superintendência de Cultura vai bater de frente com o Sindicato dos Artistas e Técnicos e Espetáculos e Diversões, SATED” – disse Suely Rodrigues.

Entre mortos e feridos, salvaram-se a essência da peça, a trilha sonora do espetáculo, escrita por Sílvio Santos e Tim Maia, do Grupo Minhas Raízes, de Nazaré, a cambaleante autoestima dos rondonienses, e a certeza de que, no Imaginário, o aluá é símbolo de gozo de vida e liberdade de amar, pensar, agir. O resto é pupunha, pistache ou pastiche!

Autor e fonte: Antônio Serpa do Amaral Filho