Ocupação de Bandeirante foi resultado da inoperância do Estado, defende Procurador aposentado em dissertação de Mestrado

O estudo descreve o modelo de colonização de Rondônia e faz uma reconstrução histórica da ocupação da gleba Jorge Teixeira e do surgimento do núcleo urbano de União Bandeirante.

Publicada em 30 de April de 2015 às 15:05:00

A transformação da região hoje conhecida como União Bandeirante, de uma área ambientalmente protegida e coberta por mata virgem para terras desflorestadas que deram lugar a um polo agrícola e pecuarista, é resultado único da ausência do Estado. Esta é uma das afirmações feitas pelo Procurador de Justiça aposentado José Carlos Vitachi na dissertação 'A (In)ação do Estado: Da Gleba Jorge Teixeira de Oliveira ao Núcleo Urbano de União Bandeirante', recentemente apresentada para obtenção de grau de Mestre junto à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

O estudo descreve o modelo de colonização de Rondônia e faz uma reconstrução histórica da ocupação da gleba Jorge Teixeira e do surgimento do núcleo urbano de União Bandeirante, que se formou a partir da gleba para posteriormente extrapolar os seus limites. A dissertação também estabelece um resgate da atuação do Ministério Público de Rondônia, à época, sob o ponto de vista ambiental e da garantia dos direitos da infância.

Conforme explica José Carlos Vitachi, a formação de União Bandeirante se deu como consequência de uma tentativa mal sucedida do Incra em assentar trabalhadores rurais na gleba Jorge Teixeira de Oliveira em 1999. Com 104 mil hectares, a gleba é contígua ao entorno da Floresta Nacional do Bom Futuro, da Reserva Extrativista Jaci-Paraná, do Parque Estadual de Guajará-Mirim e da Terra Indígena Karipuna. A área foi arrecadada de terras devolutas da União para fins de reforma agrária.

Ocorre que o projeto, que tinha sido concebido com características agroambientais, de extração e manejo florestal, foi suspenso por força de uma liminar obtida pelo Ministério Público de Rondônia, em ação civil pública ambiental, ajuizada em maio de 2004, na Justiça Federal. A decisão judicial determinava a interrupção do processo de assentamento, a retirada de rebanhos da região, a suspensão de atividades madeireiras e a apreensão de instrumentos utilizados para o trabalho, inclusive a abstenção de fornecimento de licença, autorização, aprovação de plano de manejo ou expedição de qualquer declaração de posse. No local, deveriam permanecer apenas comunidades extrativistas e moradores tradicionais.

Em defesa do meio ambiente, o MP argumentava o desvirtuamento do uso daquelas terras, que, por serem públicas, não poderiam ser utilizadas para exploração, tampouco para uma finalidade diversa do que estava previsto no Zoneamento Socioeconômico do Estado de Rondônia. Pelo documento, a região era definida como 'Área de Uso Especial', devendo ser destinada para conservação dos recursos naturais, sendo possível o uso sob manejo sustentável.

De acordo com o autor da dissertação, a decisão judicial levou o caos social a Bandeirante, naquele momento já ocupada por milhares de famílias. A pressão que se formou no lugar tornou a região alvo de violações tanto ambientais como de direitos humanos.

Na dissertação, o pesquisador responsabiliza o Poder Público, e em especial o desentrosamento entre Incra e Ibama, que demoraram a efetivar as políticas de assentamento da gleba Jorge Teixeira de Oliveira, pelo cenário de devastação e degradação ambiental. A leniência dos órgãos, segundo ele, associada à falta de aparelhamento e estruturação do local, permitiu a ocorrência de toda sorte de crimes no interior da área, até que a exploração da região fosse finalmente questionada pelo Ministério Público, a fim de fazer cessar as violações.

Exercendo o cargo de Procurador-Geral de Justiça no biênio 2003/2005, período que coincidiu, em parte, com o da ocupação de Bandeirante, José Carlos Vitachi rememora o problema social instalado no local, com a proibição judicial de serem implementadas ações de melhoramentos públicos, por parte do Estado. Como chefe do MPRO, articulou o ajuizamento de outra ação civil pública para que fossem garantidos os direitos a saúde e educação aos moradores daquela região. A atuação do MP no campo ambiental e de direitos do homem resultou na assinatura, em agosto de 2007, de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que garantiu a oferta de alguns serviços aos ocupantes da região, como energia elétrica, telefonia, desmembramento da área urbana e definição do perímetro visando a regularização e titulação dos lotes urbanos, ainda hoje pendentes de solução por parte do Município.

Não são invasores
Para o autor da dissertação, os ocupantes de Bandeirante não são invasores. Foram vítimas de um estigma criado pelo momento político e social da época. José Carlos Vitachi argumenta que a ocupação - e não invasão - da região teve início por trabalhadores rurais dissidentes do Movimento Sem-Terra (MST). Oriundos, em sua maioria, do Município de Jaru, foram levados à região pelo Incra, em 1999, com promessas de assentamento, o que não ocorreu. A proibição de projetos de assentamento veio quatro anos, em 2004, com a concessão de liminar, pela Justiça Federal. A desocupação da área, como queria o Ministério Público, não foi determinada. “O Estado fez muito pouco pela região. Tudo foi feito pelos ocupantes, com auxílio financeiro e material de madeireiros interessados na extração de recursos naturais e essências florestais”, afirma.

Ao final da dissertação, o autor recomenda a regularização dos lotes urbanos de Bandeirante pelo Município de Porto Velho, que recebeu do Incra todo o perímetro urbano da região. Agora, o Município tem o encargo de fazer a titulação e entregar os imóveis a seus ocupantes, como estabelecido no TAC.