FANTÁSTICO DESTACA O PERIGO DA AUTO-HEMOTERAPIA E MOSTRA FARMÁCIA DE PORTO VELHO QUE PRATICAVA A TÉCNICA

Publicada em 00/00/0000 às 01:32:00

A polêmica em torno da auto-hemoterapia

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Uma terapia simples e barata está se tornando muito popular. Ela promete curas milagrosas para doenças graves, como câncer e Aids. É a auto-hemoterapia. Mas cuidado. Autoridades advertem: essa técnica não tem fundamento científico.

De norte a sul do Brasil, uma terapia simples e barata está se tornando muito popular. Ela promete curas milagrosas para doenças graves, como câncer e Aids. É a auto-hemoterapia. Mas cuidado.

Autoridades médicas e do governo advertem: essa técnica não tem qualquer fundamento científico.

Autoridades advertem: essa técnica não tem fundamento científico.

A garagem da casa virou sala de espera. “É uma coisa importante, é uma ajuda importante que a gente pode dar", afirma a dona da casa Rejane Imming.

Uma farmácia chegou a atender mil pacientes por semana. "Essa hemoterapia me salvou", conta a dona da farmácia Elane Ribeiro.

"Antes, eu deitava com dor e acordava com dor. Agora, eu não sinto nada. Se é psicológico, eu não sei. Eu sei que o tratamento para mim tem trazido grandes benefícios", diz a universitária Suedi Maurício.

Muita gente está se submetendo à chamada "auto-hemoterapia" depois de assistir a um DVD. Cópias estão sendo distribuídas em várias cidades do país. O DVD contém uma longa entrevista com um médico do Rio de Janeiro, o doutor Luiz Moura, que mostra como é a técnica e chega a citar supostos casos de cura.

O médico indica a auto-hemoterapia para casos que vão da acne. "É uma coisa milagrosa, completamente milagrosa. O pior caso de acne que eu já vi na vida”, afirma o doutor Luiz Moura no DVD, à prevenção do câncer. “É uma prevenção contra um possível câncer", garante o clínico geral Luiz Moura.

O doutor Luiz Moura fala até em cura da Aids. "O caso foi do dentista. Eu, então, resolvi fazer a auto-hemo para ele, para ver o que é que dava aquilo", conta o médico Luiz Moura.

Seis meses depois, o dentista teria refeito o exame. “Ele me telefonou na véspera do Natal dizendo que tinha uma grande notícia para me dar. E a notícia era que tinha dado negativo”, completa o médico.

A técnica é simples: retira-se sangue do paciente. Na mesma hora, o sangue é reinjetado no músculo do braço ou nas nádegas. Isso é feito uma vez por semana. Os defensores da auto-hemoterapia alegam que o organismo enxerga o sangue reinjetado como um corpo estranho, o que estimularia o sistema imunológico, nossa defesa contra doenças.

"Não há dúvida que esse tipo de procedimento de fazer um hematoma você imune-estimula um dos guerreiros, uma das células que combatem as infecções", diz o secretário de Saúde de Olinda (PE), João Veiga.

A técnica surgiu no início do século passado na França e foi estudada na década de 30, nos Estados Unidos e no Brasil.

Mas o próprio doutor João Veiga admite que é difícil encontrar trabalhos científicos sobre o uso da auto-hemoterapia nos últimos anos.

"Esse ‘tratamento’, na realidade, não tem nenhum embasamento científico. Trata-se literalmente de uma picaretagem", afirma o presidente do Conselho Federal de Medicina, Edson Andrade.

Procuramos o doutor Luiz Moura, o médico que aparece no DVD falando dos benefícios da auto-hemoterapia, mas ele se recusou a gravar entrevista.

"Eu não respeito os padrões científicos. Isso eu não posso fazer, porque não é comprovado pela ciência. Para mim, o que comprova qualquer coisa é o efeito do tratamento", afirma o médico Luiz Moura.

"Eu achei maravilhoso, porque parece que ele está falando para a gente, explicando para a gente", comenta a dona de casa Euripa Macedo.

"Isso faz com que a gente se sinta contagiado", diz aaaaaaestudante de direito Suedi Maurício.

"Como eu tenho certeza de que é uma técnica absolutamente inocente, que nenhum mal faz para a pessoa, não há o menor risco desse tratamento", garante o clínico geral Luiz Moura.

Especialistas ouvidos pelo Fantástico, no entanto, dizem que há risco, sim.

"Há risco de abscesso e, conseqüentemente, infecção generalizada no organismo que se dá através da via sanguínea", alerta a presidente do Conselho Federal de Enfermagem, Dulce Bais.

"A Sociedade Brasileira de Hematologia e hemoterapia vê com muita preocupação a possibilidade de pacientes que possam se beneficiar ou possam curar de doenças graves com a medicina tradicional possam perder a chance de cura, abandonando o tratamento convencional", destaca o presidente da Sociedade Brasileira de Hematologia, Carlos Chiattone.

Até hoje, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Conselho Federal de Medicina não recebam relatos de danos provocados pela auto-hemoterapia. Mas conselhos de medicina de cinco estados já emitiram pareceres contrários à técnica.

"É preciso que se façam pesquisas sérias, metodológicas, aprovadas por comissão de ética em pesquisa, para que, após isso, então se configure o valor científico dessa prática", disse o presidente do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco, Carlos Vital.

Justamente em Pernambuco, um dos estados que condenam a prática, a Secretaria de Saúde de Olinda, está usando a auto-hemoterapia em caráter experimental. Estão sendo usadas 15 pessoas nos testes. O próprio secretário, que é médico, aplica as injeções.

"Até agora, das 15 pessoas escolhidas, 90% dizem que melhoraram muito ou acabaram os sintomas", informou o secretário municipal de Saúde de Olinda, João Veiga.

“Essa melhora pode ser do próprio curso da doença. Provavelmente, sem o tratamento, ele também melhoraria", observa a presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, Márcia Rosa de Araújo.

Outra possível explicação para os supostos benefícios relatados por pacientes é o chamado "efeito placebo". É quando alguém melhora tomando um remédio que não tem princípio ativo, apenas pela auto-sugestão.

"O efeito placebo é um efeito existente e reconhecido", afirma o presidente do Conselho Federal de Medicina, Edson Andrade. "Vem um indivíduo desse mau caráter, mau caráter, e oferece um tipo de tratamento que não existe nada a justificar a sua existência”, completa Edson Andrade.

O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, estado onde vive e trabalha o médico Luiz Moura, abriu sindicância.

"Ele pode ser condenado de uma advertência sigilosa até a cassação do diploma médico", adverte a presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, Márcia Rosa de Araújo.

A farmácia de Rondônia deixou de aplicar auto-hemoterapia por ordem do Ministério Público.

“Agora, tem muitos enfermeiros fazendo na casa das pessoas que têm condições de pagar", diz a dona da farmácia, Elane Ribeiro.

"O profissional de enfermagem que fizer por sua própria iniciativa irá responder por exercício ilegal da medicina", alerta a presidente Conselho Federal de Enfermagem, Dulce Bais.

“Se houver danos aos pacientes, eles vão ser responsabilizados", afirma o presidente do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco, Carlos Vital.

No último dia 13, a Anvisa divulgou nota, onde esclarece que não existem "evidências científicas que comprovem a eficácia e a segurança da auto-hemoterapia”. E acrescenta: os médicos em todo Brasil estão proibidos de utilizar a técnica.

Porém, o DVD sobre auto-hemoterapia continua sendo vendido. "Muito provavelmente, nós estamos no bojo de uma grande articulação de autobenefícios e de esquema para auferir lucro em detrimento à saúde das pessoas", acredita Edson Andrade.