E o Iphan silencia à História curvada

A cidade planejada de Porto Velho, com sua orla, portos, e edifícios monumentais no pátio ferroviário, tudo integrado, ficou linda.

Luiz Leite
Publicada em 14 de outubro de 2017 às 09:15

A cidade planejada de Porto Velho, com sua orla, portos, e edifícios monumentais no pátio ferroviário, tudo integrado, ficou linda. O fotógrafo Dana Merril captou tudo isso, entre 1907 a 1912. O escritor e historiador  Manoel Rodrigues Ferreira, autor de A Ferrovia do Diabo, escreveu a respeito desses detalhes de Porto Velho. Seus criadores preocuparam-se em agregar a natureza, a estrutura técnica , harmonizavam o belo cenário, como antecipassem um Frank Loyd Write.

Manoel Ferreira, escritor e jornalista

Descortina-se a imagem 180º do rio com as pontes acostáveis e o pontão Aripuanã. “...aquela Orla de Porto Velho, parecia um lugar mágico, dava prazer de apreciar o feérico rosário de lâmpadas elétricas, em Arco-Voltaico em suas torres, desde o zero à Candelária, enquanto ainda não existia praticamente, luz elétrica no Brasil.” [Foto extraordinária de Dana Merril, em 1910]

Arco voltaico e a orla

Um aterro sobre várzeas, canalizados os igarapés e imensas pontes metálicas sobre os rios, para que fosse construída a ferrovia. Uma estrutura para suportar sua via permanente.

A partir de 1912, a orla de Porto Velho, planejada, parecia um lugar mágico. Dava prazer apreciar o feérico rosário de lâmpadas elétricas, desde o marco zero à Candelária quase margeando o rio.

A luz da floresta, fosforescente, extraordinária, iluminava a cidade-porto do alto de torres de trilho. 

Poucos jovens sabem que Porto Velho esteve no mapa do Planeta, por causa dessa ferrovia, com ela chegou a modernidade no Brasil.

Porto...porto. Luz...luz.  In The Jungle Route, Paris da floresta, com a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, a mais famosa do mundo, com seus trens a vapor.

Muitos viam de longe para vê-la, e ela passou a ser uma das primeiras obras modernas implantadas no início do século 20.

Fino e elegante, hábitos sofisticados, o paraense Hugo Ferreira desembarca do vapor Juste Chermont, um ano após a inauguração da EFMM. Em 1913, num domingo, aportou a essas plagas, descendo as âncoras do vapor, ainda muito jovem, aquele paraense, olhos verdes, na flor de 20 anos, esperançoso e confiante…”. Em suas “Reminiscências da Madmamrly e outras mais”, ele relata aquela aldeia, agora sua aldeia, como disse Leon Tostoy. [Foto Manoel Rodrigues Ferreira, em 1959]

Resplandecia

Essa iluminação sustentada em suas fiações, por elegantes torres metálicas (trilhos) com base de sapatas de concreto armado.  Inovador e arrojado.

Antes, num primeiro momento, o ferroviário Hugo Ferreira, admirou-se daquela orla, beira, onde brilhava a luz elétrica. Ele nunca havia visto nada igual, e se surpreendeu. 

Ao chegar à frente da orla, exclamava: “Lindo...linda!. “Manhã, tão bonita manhã, nada igual”– depois de percorrer desde Belém, Manaus, Manicoré, Humaitá, rio acima, nada viu parecido que lhe impressionasse tanto.  

Será que lembra Paris da floresta? Sim, diziam alguns companheiros de viagem. Estavam naquele convés do grande vapor, nordestinos, gregos, italianos, sírios, libaneses, e outros que acompanhavam na viagem e agora chegavam pelo Justo Chermont, sem dúvida, o maior e mais imponente navio da flotilha da Amazon River Steam Navegation Company. 

A partir de Belém, iniciaram a viagem, todos atraídos, quase hipnotizados pela fama da Madeira-Mamoré... 

Na orla de Porto Velho existiam muitas torres elétricas, distribuídas, entre o ponto zero e a Candelária, a 2,5 Km. Outras foram instaladas nas ruas retilíneas da cidade, uma das quais, na Avenida 4 de Julho (July), subia a 45°, angular, transversal, planejada especialmente para vencer o declive, levar os trilhos para o trem (metrô),  entre os dois planos, alto e baixo.  

Saindo do pátio ferroviário, a fábrica de trens, indo da Avenida Matto Grosso, quase no extremo-leste, próxima à Avenida Divisória, e cruzava se transversalmente à Boulevard Farquhar, na extremidade norte. 

A iluminação colocada a arco-voltaico  há mais de cem anos (1907 a 1912), ainda era inovação e pela primeira vez colocada experimentalmente fora dos Estados Unidos. Hoje, com o avanço do sistema de energia voltaica, ainda é uma novidade.

Nota-se no País o avançado sistema de energia solar, a forma ecologicamente correta, obtida com os raios de sol, barata, sem agressão ao meio ambiente. Uma energia do futuro que começa num lugar cheio de luz, no Brasil.

No alto, existia o espaço chamado Praça da República, e no centro dela foi colocado, em 1911, o obelisco, entre a Avenida Índio do Brasil e a Avenida XV de Novembro,  sendo que a Farquhar, cruzou aquele espaço.  

O obelisco numa placa de bronze, milagrosamente ainda localizado ao precipício de uma calçada, é circundado por uma cerâmica do tipo “motel”. Atualmente é apenas um ponto isolado, há desconhecimento da importância desses e suas referencias  em graus, minutos, longitude e latitude, para Porto Velho e ao longo do processo de desenvolvimento planejado com EFMM, até Guajará-Mirim na região do alto Madeira. 

O entorno do obelisco, colocado em 1911, à beira de uma calçada, na Avenida Farquhar. Circundado por cerâmica do tipo “azul motel”, sem o mínimo destaque, é apenas um ponto isolado do qual a maioria das pessoas não conhece a importância.

Suas referências em graus, minutos, longitude e latitude foram importantes para planejamento urbano de Porto Velho e do desenvolvimento planejado ao longo da EFMM, até Guajará-Mirim, na região do Alto Madeira.

A iluminação colocada a arco-voltaico  há mais de cem anos (1907 a 1912), ainda era inovação e pela primeira vez colocada experimentalmente fora dos Estados Unidos. Hoje, com o avanço do sistema de energia voltaica, ainda é uma novidade.

Nota-se no País o avançado sistema de energia solar, a forma ecologicamente correta, obtida com os raios de sol, barata, sem agressão ao meio ambiente. Uma energia do futuro que começa num lugar cheio de luz, no Brasil. 

Manhã, tão bonita manhã                                                                

Naquele grande navio vapor de rodas a popa e elegante proa beck, que aproximava, veloz,  com suas chaminés, dois grandes mastros, motores, com duas máquinas potentes propulsoras, de tríplice expansão que impulsionavam, potentes, a 10  milhas horários contra a correnteza.

Hugo Ferreira escreve. E descreve em detalhes o cenário:

No comando, de seus  engalanados, do comandante aos práticos, marinheiros e maquinistas, circulavam, nos diversos planos, apostos, atentos ao redor do extenso tombadilho...  

Justo Chermont, o navio maior e mais imponente da flotilha da Amazon River Steam Navegation Company. A partir de Belém, os viajantes chegavam a Porto Velho atraídos, quase hipnotizados pela fama internacional da Madeira-Mamoré. Desembarcam no Pontão Aripuanã, para inauguração do trem. A inauguração oficial (Farquhar) ocorreu em 7 de setembro de 1912 [Foto Dana Merril, por ocasião do desembarque de passageiros americanos e ingleses, autoridades brasileiras]

Firme, o vapor, Justo Chermont, passou a apitar cada vez mais e mais intenso, a partir do grande remanso, no chamado Tamanduá, sempre contra a correnteza, contra a fúria das águas do Madeira e, como se lambessem em fúria prazerosa o belo vapor, barco que rompia os rebojos, as vezes, sem desviar os grandes troncos de árvores, alguns se estilhaçavam e, outros desciam. Sobre aqueles troncos boiados, em deslize, de rio abaixo e nesses, até garças pareciam dançar ou embalar, elas se equilibravam, em qualquer hora, lindas, destacavam, sua delicada esbelteza e brancura, na penumbra na negra madrugada ......Porto Velho,já iluminava.

Do tombadilho e eram suspensos os grandes encerados, protegiam, aqueles, convés, já não chovia e os passageiros saiam dos camarotes e respingavam-se, gostosamente, sobre aquela brisa e neblina que continuava e molhava. 

Aproximava-se das 4 horas da manhã...era a grande expectativa da chegada logo mais, sim... crescia

naquela viagem a vapor...

Poucos antes do raiar do dia, ao largo, soprava uma suave  neblina, pairava, poderia até dizer, um pouco de vento,  um chuvisco, como se dissolvesse no céu nublado, para se abrir uma cortina...do outro lado côncavo do rio à mais de mil metros, esperava o raiar do dia, sobre, aquela imensidão de água, na outra margem tão larga como a baía de Guajará em Belém. 

Alguns passageiros, na maioria jovens, gregos, sírios, libaneses, italianos, franceses, brasileiros esses principalmente nordestinos, destacou um jovem paraense os olhos muito azul, vestido sobre uma jaqueta de casimira azul marinho, chapéu de coco,já ao lado de sua pequena mala couro.

Todos  continuavam curiosos, no convés, surpreendidos com aproximação de  uma grande iluminação naquele final de noite. Essa claridade sempre, sinalizava à oeste do imenso canal do rio, monstro, ainda cheio de curvas, cortava a mata densa, a floresta, era ainda como uma cortina escura, que a qualquer hora poderia descortinar e se abrir ainda, o que parecia já o clarear de um dia in the jungle route, com um sol que parecia nascer na escuridão. 

Não...não...ainda não era  o dia, era a cidade que ainda não aparecia, o vapor já superou  o grande remanso do Tamanduá,  mas já iluminava intensa cada vez mais como um amanhecer e raiar, que como uma grande faísca a refletir, a brilhar como o ouro do Madeira, sobre a negritude na grande floresta.

Ao chegar a frente da Orla daquele lugar, lindo...parecia o dia mais lindo de sua vida...Talvez dissesse “Manhã tão bonita manhã...” nada igual, depois que percorreu, desde Belém, Manaus, Manicoré, Humaitá, de rio acima, nada viu parecido que lhe impressionasse tanto. 

“Será que lembra uma Paris da floresta?”, questionavam alguns companheiros de viagem, a maioria estrangeiros, gregos, italianos, sírios, libaneses, e outros homens  que acompanhavam na viagem a vapor no  Porto Velho, finalmente se descortina, agora as 4 horas da manhã, o velho comandante Patury, anunciava:

“...Estamos chegando! Vejam o Porto, que brilha!” 

“...O prazer de apreciar o feérico rosário de lâmpadas elétricas, em Arco-Voltaico em suas torres, desde o zero à Candelária, enquanto ainda não existia praticamente, luz elétrica no Brasil.”

                             Três portos

Porto Acostável de Porto Velho, um dos três na época. Dois desses tinham pontes acostáveis, diferenciavam-se. Um tinha entrada, outro possuía entrada e saída. A locomotiva, gruas e vagões percorriam em toda sua extensão a área portuária até a Candelária, a 2,5 Km da orla [Foto Dana Merril]

Aguardava o começar o clarear do sol.

Ah...o vapor navio foi diminuindo a marcha...devagar...devagar. Solta suas  pesadas âncoras. Fundeou e firmou à outra margem da cidade de Porto Velho. 

7 horas da manhã, após o café de despedida, o barco atravessa e em seguida, ancorra para o desembarque, nesse era a ultima parada do vapor Justo Chermont. 
 

Simplesmente uma torre tombada? Não apenas. A iluminação colocada a arco-voltaico há mais de cem anos (1907 a 1912), ainda era inovação e pela primeira vez colocada experimentalmente fora dos Estados Unidos. Hoje, com o avanço do sistema de energia voltaica, ainda é uma novidade.


Sim, atravessa e ruma para um dos três portos na cidade. Dois desses eram do tipo pontes acostáveis. Diferenciavam-se. Com  uma entrada. O outro, com entrada e saída, onde até locomotiva gruas e vagões, que percorriam em toda sua extensão, esse na Candelária, à no dois e meio da Orla.

No primeiro mais abaixo, aquele vapor ancora e amarra seu cabos de grossas cordas, no “Pontão Aripuanã”.

Antes e depois: esse ancoradouro, destacava-se por um plano inclinado sobre trilhos, para carga e descarga, com um bonde puxado por cordas de aço…subindo e descendo mecanicamente. Paralelamente, fixava-se uma confortável escada de acesso para pedestres passageiros, ligando a nave à estação de madeira, no alto barranco. Até 1972. Depois, ao longo da EFMM, na primeira década do milênio, fica parcialmente submersa, a lama, varre toda extensão do pátio ferroviário, espaço esse protegido pelo tombamento na Constituição de Rondônia e nacional pelo Iphan. A água baixa e fica a lama, consome a orla e com essa os trilhos, trens, e o acervo móvel e imóvel, e inclusive, as torres elétricas, essas desaparecem no precipício, no barranco, pela avalanche.

Esse ancoradouro, destacava-se por um plano inclinado sobre trilhos, para  carga e descarga, com um bonde puxado cor cordas de aço... subindo e descendo mecanicamente. A paralelo fixava-se  uma confortável escada de acesso para pedestres passageiros, ligando a nave a estação de madeira, no alto barranco.

Hugo veio para cá, também atraído pela fama, à procura de trabalho. Chegou para ficar, em busca de novos horizontes. Antes,  esteve um tanto apreensivo: próximo de Manicoré, cruzava com alguns navios que desciam lotados de trabalhadores dispensados em consequência da conclusão dos serviços da estrada de ferro.

E aí?  Ainda no vapor navio, o“Justo Chermont” já atracado, conseguiu trabalho na Companhia ferroviária, May, Jackill and Randolph.  Aqui trabalhou na ferrovia Madeira-Mamoré por mais de 40 anos, de motorista de motocar,  ao máximo cargo como chefe de Divisão de Tráfego. E a habilidade técnica adquirida na administração ferroviária, inicialmente companhia americana e inglesa da ferrovia Madeira Mamoré. Quando os ingleses abandonaram a administração da EFMM em 1930, já com 37 anos e 17 anos de experiência da ferrovia.

Fino  e elegante, hábitos sofisticados, extremamente  profissional de categoria,  constituiu família e criou três filhas, aqui viveu, realizou os seus trilhos e sonhos.

Hugo, apaixonou-se por esse lugar,  admirou-se, aquela  orla, beira, brilhava a luz elétrica, lindo lugar estranho, ele nunca tinha visto nada igual, nem luz elétrica, embora, já se surpreendido e ao mesmo tempo,  dando-lhe o “...prazer de apreciar o feérico rosário de lâmpadas elétricas, em Arco-Voltaico em suas torres, desde o zero à Candelária, enquanto ainda não existia praticamente, luz elétrica no Brasil.

Justo Chermont, o navio maior e mais imponente da  “flotilha da “Amazon River Steam Navegation Company.”

A partir de Belém, os viajantes rumo a Porto Velho, todos atraídos, quase hipnotizados,  pela fama internacional da Madeira-Mamoré.

Vale a pena lembrar e levar ao conhecimento o que ocorre nessa área protegida, tombada.

No entanto, confesso que me sinto o tornozelo do Quixote e, como sentisse o peso de pregar sozinho, isolado. Sinto o peso das acusações medonhas a mim e alguns amigos com o mesmo propósito na defesa do meio ambiente e do patrimônio histórico, direcionadas por um grupo de aduladores em laboratório.  Espécie de fogo cruzado. Que não nos amedrontam.

Projeto de Restauração e Elementos de Integração do Complexo Ferroviário da EFMM e Beira Rio – 2002, que se inspirou na Constituição de Rondônia. Deu origem ao Tombamento, 1220-T-87, de autoria do arquiteto Luiz Leite de Oliveira. Foi clonado, plagiado, e adulterado criminosamente pela Prefeitura de Porto Velho por ex-prefeitos e pelo atual

Luiz Leite nasceu na região. Caboclo, arquiteto (UnB), pesquisador, é o autor do Projeto de Restauração e Elementos de Integração do Complexo Ferroviário da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e Beira Rio -2002, essencial para o Tombamento da EFMM. Na oportunidade, ocupou a superintendência do Iphan-RO, fez o filme Drems And Tracks – Trilhos e Sonhos, Estrada de Ferro Madeira Mamoré

Manoel Rodrigues Ferreira é engenheiro, pesquisador, historiador de A Ferrovia do Diabo. Em 1959 conversou com Hugo Ferreira e o estimulou a escrever suas memórias. Dez anos depois,  Hugo publicou em Porto Velho, o raro Reminiscências da Madmarmrly e outras mais.

Winz

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Comentários

  • 1
    image
    MOACIR FIGUEIREDO 14/10/2017

    QUANDO O LOCAL ERA CHEIO DE INFERNINHOS PELO MENOS EXISTIA O TURISMO SEXUAL !!!

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