É na crise que reconhecemos a postura ética, o compromisso social de um governo e a que interesses ele serve

Vejam o caso da Reforma da Previdência. Como um governo ilegítimo, imoral, corrupto, golpista, pode ter a pretensão, num momento de uma crise como a que estamos passando, inclusive com a falta de credibilidade nos três poderes...

Edilson Lôbo
Publicada em 24 de março de 2017 às 10:22

A crise que estamos vivenciando em nosso País, pelo menos aos mais atentos, a quem busca melhor informação, a quem não se vincula especificamente a uma única forma de analisar os acontecimentos, é reveladora de algumas facetas do mundo econômico e político das nossas elites de dominação. A mais evidente, e que salta aos olhos, são as relações promíscuas de poder.

Esse fenômeno (a crise), de grande inflexão numa dada realidade histórico/social, deveria se constituir num momento de exercício de criatividade, de oportunidades, onde prevalecesse, pelo menos do ponto de vista do que se acredita, a conjugação de esforços, dos diversos agentes e segmentos  que constituem a estrutura vertebral de uma Nação, e que são responsáveis para pensar, articular, propor e promover, as ações necessárias em prol de resoluções que impactem positivamente, o conjunto da sociedade, em especial, aos que mais necessitam. Infelizmente, não é assim que as coisas ocorrem. Invariavelmente, esses agentes e os segmentos aos quais representam, agem em conformidade com os seus próprios interesses.

Vejam o caso da Reforma da Previdência. Como um governo ilegítimo, imoral, corrupto, golpista, pode ter a pretensão, num momento de uma crise como a que estamos passando, inclusive com a falta de credibilidade nos três poderes que conformam os pilares da República, se valer de uma chantagem indisfarçável, leviana e irresponsável, com a cumplicidade de uma mídia extremamente parcial, usar de subterfúgios, para nos impor algo, que penaliza as gerações atual e futura, à pretexto supostamente, de garantir a sobrevivência do sistema previdenciário. Ou é isso ou a sua falência.

Em sã consciência, alguém pode ser contrário a alguma reforma, que traga benefícios à população, no seu contexto mais abrangente? Óbvio que não.

Somos contrários a essa forma perversa de supressão de direitos constitucionalmente assegurados, engendrado às pressas, sem uma formulação adequada, sem o chamamento dos segmentos mais diretamente envolvidos, para participarem da sua discussão e por consequência, da sua elaboração, cada um, tendo voz e podendo interferir nesse processo, de tal sorte a fazer valer, os aspectos que lhes reserve, a garantia dos seus direitos, para ao cabo, se ter um resultado mais equilibrado, e que atenda solidaria e democraticamente, os benefícios de que são merecedores, pelo reconhecimento justo dos seus serviços prestados, ao longo da sua vida laboral.

Ao invés disso, o governo de forma arbitrária, autoritária, usa de um expediente falacioso, apelativo, usando os meios de comunicação, para causar terrorismo, criando uma narrativa, muito ao gosto de uma imensa massa de desinformados, que se rendem ao discurso fácil, do famigerado ajuste das contas públicas, que do ponto de vista da responsabilidade do gestor público, é uma lógica que faz sentido. “Ninguém pode gastar mais do que arrecada”. Bingo.

Tudo à partir desse pressuposto, passa a ser definido, observado, rotulado e encaminhado, na perspectiva da racionalidade do cálculo econômico. É a frieza dos números, funcionando a serviço do desmonte, das conquistas sociais.

Os cálculos são importantes? Claro que são. Fundamentam e justificam as ações necessárias, ao implemento dos diversos itens que podem compor e estruturar referida Reforma.

O problema, é o falseamento, a mentira, os conchavos, o engodo, para ludibriar a boa fé dos cidadãos e cidadãs, e com isso, convencê-los, de que estamos à beira do precipício, de um colapso desse sistema. Ou fazemos essa reforma, ou haverá uma explosão dos gastos, incompatíveis com a arrecadação, ensejando a sua inviabilidade. Ou seja, literalmente terermos, uma previdência quebrada. E naturalmente, com uma boa peça publicitária, vende-se essa ilusão, em que muita gente de boa fé acredita.

Para além do cálculo econômico, existe a dimensão política, ideológica e social, que ficam subjacentes a esse cipoal de informações e desinformações, sem que se vá, ao verdadeiro cerne dessa questão.

O que deveria estar em discussão? Fosse um governo realmente preocupado com a situação da previdência como propagandeia, estaria promovendo uma ampla discussão com os vários setores da sociedade, para um repactuamento social justo, das contribuições destinadas a manter esse sistema.

Numa situação adversa, proporcionada por uma crise conjuntural, não é momento para implementação de reformas estruturais radicais, que impliquem impactos profundos na vida das pessoas, principalmente, quando tais medidas, afetam sobremaneira, as camadas mais desfavorecidas. Isso não é papel, nem atitude de um governo comprometido com as demandas prioritárias de uma sociedade.

Qual o papel que caberia ao governante, em circunstâncias como essa? Certamente, seria de estabelecer a melhor mediação possível, no sentido como já foi dito,  criar instrumentos e mecanismos, fomentar ações, que galvanizem esforços, no sentido de estabelecer regras claras, transparentes e fundamentalmente justas, para que cada um, de acordo com a sua  capacidade de contribuição e, segundo as suas necessidades de sobrevivência com qualidade de vida, tenha o justo alcance dos benefícios a que faz jus.

Nestas condições, o cálculo não pode ser meramente econômico. Para além dos frios números, existem seres humanos, que não devem arcar com o maior sacrifício, de uma situação que não foi criada por eles. E o compromisso social do Estado?

A lógica que põe o Estado em movimento, não deve ser moldada pela lógica de mercado. A racionalidade deste, atinge outra dimensão.  A natureza do Estado é de outra ordem, cumpre outras finalidades, tem que está a serviço dos que podem menos, e não na proteção dos mais poderosos. A Reforma da previdência tem demonstrado justamente o contrário.

Porque que a imensa maioria da classe trabalhadora, é a que tem que ser penalizada? Porque num País de imensas desigualdades como o nosso, quer se fazer uma reforma linear, sem levar em conta, as especificidades de cada segmento social? Como numa Nação, em que a longevidade está longe de atingir os patamares dos País ditos mais desenvolvidos, quer se aplicar uma regra para aposentadoria, cuja exigência de tempo para se aposentar, se equivale praticamente ao tempo de longevidade do indivíduo? Trabalhar até morrer? Como numa sociedade em que a mulher pratica uma dupla e até tripla jornada de trabalho, o tempo de sua aposentadoria, deva se igualar ao do homem? Como numa realidade social bastante adversa, do ponto de vista da situação inóspita e de trabalhos extenuantes em vários setores de atividades, será possível exigir o mesmo tempo de serviço para todos? Imagino um gari de 65 anos, correndo atrás de um caminhão de lixo, numa estação fria de alguma região do País, ou num sol escaldante do Norte ou nordeste. Certamente existem exemplos até mais drásticos. É pra matar não? Essa é a sensibilidade social desse governo golpista.

O governo afirma haver deficit na previdência. Ainda que se admita esse deficit, muito embora as informações estejam aí fartamente expostas para demonstrar a falaciosidade dos seus argumentos, há formas e alternativas, desde de que haja compromisso, responsabilidade e coragem, para que se tome as medidas necessárias, que corrijam determinadas distorções do ponto de vista da gestão no que tange a essa complexa engrenagem da máquina pública.

Citaria pelo menos três, que se os governantes não tivessem o “rabo preso” com os que financiam suas campanhas, seria mais que suficiente, para o aporte de recursos devidos, não só para a previdência, mas para outros setores importantes.

1) As contribuições das fontes constitucionalmente asseguradas pelo artigo 194 e 195 da Constituição Federal, para serem destinados à Seguridade Social, e que conformam o seu tripé, compreendendo: Saúde, Previdência Social e Assistência Social.

São eles: contribuições previdenciárias ao INSS; contribuição para financiamento da seguridade social (COFINS); Contribuição Social sobre Lucro Líquido PIS/PASEP (destinado especificamente ao seguro desemprego) e Contribuição de Concursos e Prognósticos. (modalidades de jogos como loteria Federal). Ainda fazia parte desse rol, a antiga CPMF.

Somadas todas essas contribuições, e deduzidas as despesas com a seguridade, ela se torna superavitária, garantindo com tranquilidade até os dias atuais, a cobertura da Previdência Social. Portanto, é falaciosa essa postura do governo em querer incutir na população a ideia do deficit previdenciário.

2) A reestruturação do perfil da dívida pública que sorve  quase 50% da receita anual da União. Um setor parasitário, que vive da especulação financeira, que em detrimento da economia real, consome anualmente, 47% do orçamento da União, cujos valores, com base em cálculos de 2016, já em setembro desse ano, chegava ao patamar de 3 trilhões de reais.

Qual a relação da dívida pública com a previdência? O governo, espertamente, tem desviado esse superavit, para gastos com o orçamento fiscal. Como? É garantido na Constituição, pelos mesmos artigos citados, a vinculação da receita da seguridade, apenas para cobrir esses gastos, não podendo ser destinados a outros fins. O que o governo faz? Com a desvinculação da Recita da União – DRU, estipulado em 20%, o governo se apropria da receita gerada com as contribuições da Seguridade, e a destina para outras fins, principalmente para pagamento dos juros e amortizações da dívida brasileira.

Outro aspecto a ser ressaltado. Se em tempos de crise, a sociedade é chamada ao sacrifício para ajudar a pagar a conta, porque o sacrifício maior, deve recair, nas costas do trabalhador?

Porque então, não se encontrar uma forma, de retirar mais recursos destinados a pagamentos de juros e amortizações da divida brasileira, sem precisar promover nenhum calote? Porque não se faz como já foi realizado em outros países, uma auditagem dessa dívida, para se saber qual realmente é o seu verdadeiro montante. Uma dívida que se torna impagável e a cada ano mais aumenta, ai sim, estrangulando nossa economia. O governo estaria promovendo uma forma mais justa de tirar de quem realmente tem muito mais re cursos, e aliviando a situação de quem pode muito menos.

3) O combate a sonegação que hoje chega a absurda soma de 1,162 trilhão de reais, em débitos tributários inscritos na Dívida Ativa da União - DAU. Desses, apenas as 500 maiores empresas devedoras do País, devem meio trilhão de reais.

Como pode ser demonstrado, a dívida da previdência é uma mentira deslavada, não só desse governo, mas também dos anteriores, e que apesar de terem mais legitimidade não tiveram a petulância e a ousadia, que teve um governo sem nenhuma legitimidade para afrontar a sociedade, com uma proposta deletéria e absurda como essa.

Comentários

  • 1
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    Fredson 24/03/2017

    Excelente análise dos fatos atuais, professor Lôbo. Não é à toa que o governo temeroso está conseguindo emplacar a Lei da terceirização e, logo em seguida, quer aprovar a reforma da Previdência. Ora, a maioria dos parlamentares é empresário ou está ligado ao empresariado. Em troca de governabilidade Temer seria capaz de perdoar as dívidas previdenciárias.

  • 2
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    JOHN 24/03/2017

    Muito bem Lôbo. Vamos as armas: 1 - Armas do Esclarecimentos (o povo deve saber do que é formada a aposentadoria) : 2 - Armas da luta social ( o povo tem que acordar e participar) : 3 - As armas ( pois ``eles´´ já empunharam as deles)

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Winz

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