Artigo: “Justiçamento público”, por Andrey Cavalcante

“Achávamos que tínhamos derrubado a ditadura. Cometemos um erro. Porque os ditadores de espírito nunca morrem, eles estão sempre aí. Estão aqui neste momento, alguns deles. Esperando a hora de voltar, sempre”.

Andrey Cavalcante
Publicada em 09 de outubro de 2017 às 13:12

“Achávamos que tínhamos derrubado a ditadura. Cometemos um erro. Porque os ditadores de espírito nunca morrem, eles estão sempre aí. Estão aqui neste momento, alguns deles. Esperando a hora de voltar, sempre”. A constatação, do desembargador Lédio Rosa de Andrade, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ilustra a apreensão do mundo jurídico nacional com a instalação de fato do estado policial no País, contra o que já nos manifestamos reiteradamente aqui para insistir: só existe um caminho para combater a corrupção e a impunidade no Brasil. E ele passa obrigatoriamente pelo estrito respeito aos princípios constitucionais, às leis e ao estado democrático de direito. Qualquer coisa fora disso não apenas resulta em novos crimes, como também apequena a justiça.

A morte do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que cometeu suicídio por, segundo suas próprias palavras, não conseguir suportar a degradação moral por ter sido preso e proibido de entrar na Universidade, acusado de “obstrução da justiça” foi consequência perversa daquilo contra o quê advertiu o desembargador, que foi ainda além para esclarecer que “Em nome da liberdade de imprensa, se exerce a liberdade de empresa privada para impor desejos privados à coletividade. Em nome da liberdade de julgar, neofascistas humilham, destroem, matam”. Um bilhete encontrado no bolso da jaqueta que o reitor usava no momento do suicídio dizia que “A minha morte foi decretada quando fui banido da Universidade!”.

Sobre o professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo não pesava nenhuma acusação de corrupção. A denúncia contra ele foi por “não ter dado sequência ao processo administrativo de apuração” de casos de corrupção ocorridos antes de ele assumir a reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, nos quais não teve qualquer participação. Mesmo assim foi preso provisoriamente, impedido de ingressar na Universidade e teve sua imagem brutalmente exposta. Assistimos no Brasil à banalização das prisões provisórias e das conduções coercitivas abusivas, realizadas quase sempre de forma espetacular e midiática, sem nenhuma preocupação com a preservação da imagem daqueles que sequer culpados podem ser considerados.

A repercussão da tragédia provocou imediata reação das associações de juízes, procuradores e delegados, para emitir nota na qual repudiam “as afirmações de eventuais exageros na Operação Ouvidos Moucos. Ao contrário do que vem sendo afirmado por quem quer se aproveitar de uma tragédia para fins políticos, no Brasil os critérios usados para uma prisão processual, ou sua revogação, são controlados, restritos e rígidos. Uma tragédia pessoal não deveria ser utilizada para manipular a opinião pública, razão pela qual as autoridades públicas em questão, em respeito ao investigado e a sua família, recusam-se a participar de um debate nessas condições”. A nota faz, em favor de seus representados, um exercício do direito de defesa que em momento algum foi concedido ao reitor, que foi denunciado pela corregedoria da própria universidade,

A acusação era de não ter dado sequência ao processo que apurava casos de corrupção antes dele ser reitor e nos quais não teve qualquer participação. Mesmo assim foi preso provisoriamente, impedido de ingressar na Universidade e teve sua imagem brutalmente exposta em verdadeiro justiçamento público. A precipitação da delegada federal Erika Marena, que pediu a prisão, e da juíza Janaína Cassol Machado, titular da 1ª Vara Federal de Florianópolis, que a decretou não permitiu que fosse levado em conta o clima de verdadeira guerra de facções que impera nas universidades públicas brasileiras, sobejamente registrado no noticiário.

A manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e o Colégio de Presidentes de Seccionais define a situação no país reflete com clareza esta realidade perversa: “Assistimos no Brasil à banalização das prisões provisórias e das conduções coercitivas abusivas, realizadas quase sempre de forma espetacular e midiática, sem nenhuma preocupação com a preservação da imagem daqueles que sequer culpados podem ser considerados”. Tal indignação foi igualmente manifestada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, para quem uma das possibilidades de impor freios aos excessos da investigação está no projeto de lei que pune abuso de autoridade. “Uma lei contra abusos de autoridade tem por objetivo, exatamente, coibir esse tipo de distorção — em que se transita entre a ilegalidade e a desumanidade” – sentenciou.

Andrey Cavalcante, presidente da OAB Rondônia

Winz

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Comentários

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    Antonia Inocencia 09/10/2017

    Também nunca houve TORTURA, perseguições, mortes, espancamentos, humilhações, cerceamento das liberdades individuais, CENSURA, DOI-CODI, pau-de-arara, suicídio induzido, caça a oposicionistas, terror a quem os criticasse. Vivíamos num paraíso cheio de coelhinhos saltitantes e borboletas azuis. Todo o povo brasileiro era feliz. Votávamos para presidente, para governadores e em quem nós queríamos e quando queríamos. Os militares foram muito bons para o Brasil. Eu só não entendo por que eles deixaram o poder sem ter sofrido um golpe sequer dos civis e 1985.

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    joao roberto 09/10/2017

    SE TIVESSE PENA PARA GENTE QUE GUARDA R$ 51.000.000,00 EM APARTAMENTO , ERA BOM MAS O FINAL E A NAO CULPA POIS FALTA PROVA E OS BONS DOUTORES DA LEI A PESO DE DE DINHEIRO DE ORIGEM DUVIDOSA DEFENDEM E PROVA Q TA TUDO SENDO PERSEGUICAO, POIS LULA TA SOLTO ATE HO E NUNCA VAI A CADEIA E O BRASIL E SUAS LEIS , BOAS PRA O ERRADO .

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    joão bosco 09/10/2017

    a maior ditadura está no poder judiciário que não permite a auditoria externa que do ponto de vista de gestão fica a desejar as suas funções. e verdade que os magistrado deva ter a sua liberdade , mais tal atribuição é confundida com interesse pessoal quando se utiliza de norma e analogia discricionária para abater essa ou aquela pessoas. neste sentido deveria haver uma comissão de jurista para analisar as babaridade tomada ao longo do tempo e muitas dessa situação levaram pessoas para morte sendo absorvido muito tempo depois que o cidadão já estava morto. isto é a maior ditadura. do ponto de vista economico se faz necessário uma aceleração e menos burrocracia pois o grande empresário utiliza o poder judiciário como instrumento financeiro enquanto que o povo aguarda na fila mesmo tendo direito. está faltando magistrado de pulso pois dos milhares apenas meia duzia e perseguido por bandido em função agir como se deve.

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    edgard alves feitosa 09/10/2017

    Políticos de todos os partidos, sem exceção, desrespeitam, violam e tripudiam diuturnamente sobre os princípios constitucionais, pois tem plena consciência que, exatamente por causa desses princípios, podem exercer a plenitude da corrupção, uma vez que o caminho para a impunidade é a certeza que o devido processo legal lhes garantirá miríades de recursos, com infinitos prazos - ladrão não passa recibo! Políticos de todos os partidos e outras entidades estão babando para aprovar leis para a punição de abuso de poder, no que é legítimo; mas são refratárias a aprovação de leis para punir abusos de corrupção. Mas como aprovar leis contra a corrupção se são os próprios políticos os legisladores??????? É necessário e primordial respeitar os princípios constitucionais, mas não podemos nos enredar em filigranas jurídicas, que são privilégios dos que tem dinheiro para pagar caríssimas bancas de advogados; enquanto isso no país chamado de "Bruzundangas" (Lima Barreto), os pobres sem nenhuma condição financeira de chegar a um STJ, muito menos ao STF, mofam nas cadeias, por muito menos que as corrupções cometidas pelos políticos.

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    Sr. Maristony 09/10/2017

    MITO 2018

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